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Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar como eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; [...] (FERNANDO PESSOA)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Apenas mais um desesperado

Todos começam a contar sua história pela parte menos triste, pela infância, mas este não foi o meu caso pois já nasci excluído e odiado, nem ao menos pude sentir o doce sabor do leite materno, fui logo lançado aos ratos e à imundice.
Me acharam e abrigaram-me num lar de crianças que assim como eu foram feitas não por acaso, mas odiadas por acaso, acaso este que nunca entendi.
Logo que descobri que aquelas crianças não eram meus irmãos, ou que aquela moça, de traços finos e um brilho no olhar incomparável que me punha para dormir todas as noites ao som das mais belas melodias interpretadas estupidamente bem por sua voz, não era minha mãe resolvi sumir dali. Neguei meus supostos irmãos, o pão de cada dia, as refeições tão bem feitas pela tia Nicinha, e, abracei um novo mundo.
Saí de lá com a certeza de que os olhos do meu país estariam sobre mim, mal sabia que realmente estariam.
Me perguntavam sempre quem era o meu pai, naquela época a filiação era de suma importância, e então eu respondia com todo o orgulho do mundo: "Meu senhor, sou eu filho do Brasil"; alguns de certo riam, porém outros confundiam-me com o filho de um senhor de idade que teve seu maior castigo recebendo o nome de Brasil.
Esqueci de relatar que minha casa era uma velha e abandonada estação ferroviária, minhas roupas, conseguia-nas nos varais mal vigiados e a comida, cada dia conseguia de uma forma diferente.
Foi assim que sobrevivi bem vestido, trabalhando e comendo direitiho até os meus treze anos de idade, quando descobriram quem eu era, então tive que fugir e me arriscar em outro vilarejo.
Lá não havia nenhum Brasil para eu me filiar senão o meu país, que descobri ouvindo a conversa de alguns senhores, na porta de um bar, que era este um país cujo se envergonhavam profundamente.
Mal sucedido na filiação, encontrei-me mais uma vez excluído e odiado. Conhecido como o moço sem família ou o ladrãozinho de varais, conheci em mim um lado cujo nunca imaginei que existisse, um lado revoltado e ruim que me fazia odiar a mim mesmo.
Realmente, passei a ser um ladrão, maníaco, alguém que eu não conseguia controlar. Fiquei feio, mal vestido e com a pior filiação.
Fiz todo o contingente de atos errôneos existentes portanto não foi longa essa minha vida, pois logo, os empregados do meu pai me puniram, espancaram e me deixaram aqui nesta casa onde vivo há oito anos já, cercado de pessoas que assim como eu descobriram seu outro lado. Alguns deixaram alguém lá fora à sua espera, mas ainda há alguns que como eu, não enxerga vida além das grades de uma cela enferrujada e mal cuidada pelos empregados do meu pai.
Aprendi a conviver com pessoas piores do que eu e passei a aceitar as características que atribuíram a mim, assim como a de um louco desesperado que escreve suas cartas para um pai que nunca as lerá, ou, que nunca existiu.
Prazer, sou mais um desesperado e filho do Brasil.

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